Milito na Umbanda há 38 anos, e durante esse tempo já recebi
diversas definições sobre essa doutrina. Além de ouvir as mais absurdas
preleções sobre a “Religião do Diabo”, qualificando nossas atividades como
demoníacas, bruxarias e macumbas, ainda tive que presenciar a depreciação dos
espíritos que nos auxiliam, chamados de seres sem luz, espíritos inferiores,
ou, até mesmo, a manifestação do próprio “Ser do Mal”.
Também muitos me afirmaram que a Umbanda não é cristã, que
se trata de um segmento pagão. Então pergunto a esses interlocutores: o que é ser cristão?
Alguns respondem que Cristão é aquele que frequenta a Igreja
toda semana, assiste seu culto e comunga com o Senhor. Então tento compreender,
de acordo com tal definição, aonde me enquadro, pois costumo ir ao Templo de
nossa fé ao menos cinco vezes por semana, inclusive sábados, domingos e
feriados. Nestes dias cultuo ao Senhor dos Mundos, não apenas através de ritos
e cantos de louvor, mas principalmente através do exercício da caridade, ao
ceder meu corpo e minha mente aos irmãos espirituais que se dispõem a trazer o
consolo àqueles que sofrem de infinitos males, o alívio aos seus corações
repletos de culpas e sofrimentos, o ombro amigo para deitar o pranto que lhes
tira o sentido da vida. Irmãos que nos são gratos por apenas tê-los escutado. E
ainda não disse que lá também realizo as tarefas mais simples, como varrer,
lavar banheiros, limpar móveis e até mesmo pintar paredes. Não posso me
esquecer de mencionar que comungo com ELE através da prece e da água, do amor e
da fraternidade, que são o maior lenitivo para nossas almas doentias.
Alguém um dia me perguntou de que trata a Bíblia da Umbanda.
Estarrecida respondi que não a conhecia, pois entendo que só exista uma obra
destinada a ditar as ordens morais que preceituam a fé no Cristo. Vários
autores compilaram os ensinamentos do Messias, traduziram-nos em diversos
idiomas, mas a mesma Bíblia dos Católicos ou dos Evangélicos contém os
princípios de conduta ensinados pelos profetas, compartilhados por Jesus,
transcritos por seus apóstolos e que até hoje, embora a humanidade ainda não os
compreenda na íntegra, são os alicerces que nos conduzem de volta ao Reino de
Deus Pai e balizam nosso modo de viver a Umbanda.
E aí chegamos a algo mais delicado ainda. O que fazemos com
os animais sacrificados? Bebemos seu sangue, entregamos esse fluido vital aos
nossos “Guias” (digam-se capetas)? Estupefata, tento esclarecer que sequer sei
matar uma galinha para o almoço, e se eu vir seu pescocinho sendo cortado, de
onde jorra seu sangue, nem ao menos conseguiria ingerir suas partes depois de
cozidas. Como ainda necessito me alimentar de proteína animal nessa encarnação,
já adquiro a carne cruelmente sacrificada nos matadouros e as utilizo
exclusivamente para a sustentação de meu
corpo físico.
Sacrificante é observar a depredação do planeta que nos
serve de moradia, o desrespeito à família, a banalização dos crimes,
principalmente os de pedofilia e de corrupção, o anseio desesperado dos irmãos
que buscam em nosso
Santuário as “imediatas soluções de seus problemas” os quais
já se perduram por tempo demasiado sem que a pessoa reflita sobre a
possibilidade de mudar seu padrão de comportamento para alcançar a
prosperidade, a alegria, a paz, o equilíbrio e a saúde.
E de maneira ainda mais crucial, assistirmos aos irmãos
planetários se digladiarem pela posse da verdade sobre o Cristo Jesus,
dizendo-se possuidores do único caminho que conduzirá aos céus, se esquecendo
do que disse o Nazareno: “Meu reino não é deste mundo” (João, 28:33,36 e 37) e
se assim é por que reclamar um direito que é de todos, não de exclusividade
deste ou daquele?
Então, tenho que concordar com W.W. da Matta e Silva (1) que
definiu UMBANDA como “um movimento de luz , feito pelos espíritos cármicamente
afins a essa massa e pelos que dentro de afinidades mais elevadas ainda, se
pautam no AMOR, na AJUDA, na RENÚNCIA em prol da EVOLUÇÃO DE SEUS SEMELHANTES”
, trazendo as forças e direitos de trabalho aos integrantes da Corrente
Astral de Umbanda, ou seja pretos
velhos, caboclos e crianças.
Agora ficou claro? Umbanda não precisa de palavras difíceis
para defini-la, pois ela se manifesta na simplicidade e na humildade com que
seus representantes, encarnados e desencarnados, atuam em nome do Cristo, nosso
Pai Orixalá.
Paz, luz, amor e harmonia sempre!
Mãe Andrea
(1) Umbanda do Brasil, Livraria Freitas Bastos S/A