A UMBANDA E SUAS CLASSES DE ENTENDIMENTO
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Pai da Matta (ao centro) em palestra na T.U.O. - década de 70 |
No texto abaixo, veremos a transcrição do trecho de uma interessante conversa havida entre um pesquisador e um 'preto-velho' - mediunicamente manifestado em W.W. da Matta e Silva:
Cícero: - Oh! Sábio
“preto-velho”, como se qualificam, no panorama de tantos e tantos “terreiros”,
as modalidades de “umbandas” existentes? Essa lei, essa corrente, esse movimento
não obedece a diretrizes ou regras de cima para baixo?
Preto-velho: - Sim... Boa pergunta
você me fez, oh! Filho esperto... Neste panorama umbandista, você pode
identificar, com a maior facilidade, três classes de umbandas praticadas...
A PRIMEIRA CLASSE é a que engloba
o maior número de agrupamentos ou terreiros. Está puramente construída pelos
seres humanos. É essa mescla rudimentar, confusa de cada um fazer o
seu “terreiro”, seu ritual, segundo o seu entendimento ou a sua “sabedoria” sobre
Umbanda, sabedoria essa baseada exclusivamente, no que viu e ouviu em
outros “terreiros” similares, onde predomina o sincretismo afro-católico.
Esses ambientes nos dão muito
trabalho de fiscalização astral – de cima – pois estão fortemente influenciados
pelo baixo mundo astral. Nesses agrupamentos, a doutrina é quase
inexistente. De Evangelho, quando alguém lhes fala, bocejam de tédio e
indiferença. Não há quem faça a adaptação desses evangelhos a seus
entendimentos, levando em conta seus estados de consciência – de
ignorância dessas coisas; mas o incremento da luz prossegue, por baixo e
por cima, firme e serenamente, enquanto eles se ocupam mais em tocar seus
tambores e bater suas palmas.
A SEGUNDA CLASSE vem com menos
volume de agrupamentos e se prende àqueles que são mais elevados, mais simples;
desejam praticar Umbanda, pautada nos ensinamentos evangélicos, no que eles
revelam de mais necessário. Para isso, apelam para a corrente dos
“caboclos” e “pretos-velhos” a fim de ajudá-los nesse mister. Fazem um ritual
suave, sem palavras, sem tambores. Aproveitam a força e a beleza de certos
pontos cantados ou hinos, que sabem serem de raiz.
Esse é um dos aspectos que
aprovamos, dada a sinceridade de propósitos, desde que não saiam da
faixa religiosa, doutrinária e mesmo de certa cautela com o lado fenomênico.
Assim, procuramos com paciência e
até mesmo tentamos localizar algum possível aparelho ou veículo mediúnico e,
por ele, fazer positivas incorporações para estabelecermos os Princípios ou
Regras da Umbanda na teoria e na prática.
A TERCEIRA CLASSE, com uma
quantidade mínima de agrupamento, é a que se identifica com Ordens e
Direitos de Trabalho. Isso acontece quando temos ordem para agir sobre um
legítimo aparelho ou médium. Aí, imediatamente estabelecemos esses citados
Princípios ou Regras da Umbanda, a par com a caridade que vamos praticando.
Esse é o único aspecto ou classe capacitada a movimentar a terapêutica dita
como natural e astral, dentro da magia positiva, sempre para o Bem comum e que se
firma nos verdadeiros sinais riscados e já classificados como Lei de Pemba e
sobre os quais voltarei a falar.
Agora, devo frisar o seguinte: o
nosso contato – dos Guias e Protetores – com esses médiuns e
aparelhos-positivos não se dá exclusivamente por via
incorporativa. Fazemos e
assistimos também, pelos que têm vidência, intuição, audição e gostamos muito
de o fazer pelos de mediunidade sensitiva, os únicos que não podem ser
enganados ou mistificados.
Cícero: -Desculpe, Pai-preto,
queira repisar mais esta lição porque, em todos os aspectos ou classes, tenho
visto coisas relacionadas com a magia. Em todas assisti riscarem pembas dessa
ou daquela forma.
Preto-velho: -Bem, “zi-cerô”,
isso quer dizer que você anotou com segurança as três discriminações que fiz.
Pois é claro que essa primeira classe é a que mais trabalho nos dá, devido ao
seu volume, quantitativo e qualitativo. Nela, os filhos, levados pela justa
tendência de suas finalidades, entram na corrente de Umbanda ou resolvem fazer
“umbanda”.
Até aí, tudo certo, mas logo
decidem praticar “magia de encenação”, através do que têm visto fazer sob a
forma de grosseiras oferendas e sacrifícios que envolvem e atraem forças do
astral inferior, que passam então a dominá-los, visto eles não terem o
conhecimento certo dessascoisas, mormente quando riscam pembas (por impulsos),
desconhecendo completamente a expressão mágica dos verdadeiros sinais riscados,
causando assim, plena confusão de sinais ou signos, idêntica confusão na corrente
mental e astral que por força de tudo isso está formada ou se forma,
devido às atrações ou afinidades que vão imperar.
Na segunda classe, mesmo dentro
da sinceridade, dos bons propósitos, contando até com filhos estudiosos, muitos
egressos de outras correntes e religiões, são inúmeros os filhos que de repente
se empolgam e fogem do âmbito religioso, doutrinário, começando também a
praticar certos atos que pretendem ser de magia, por conta própria, embora em
plano mais suave que os primeiros. Ora, se eles não estão ordenados ou
mesmo capacitados para tal fim, se eles não têm o conhecimento que o assunto
requer e ainda sem o beneplácito ou a garantia dos Guias e Protetores, para
isso, o que pode acontecer? São logo envolvidos pelas forças relacionadas e
invocadas que, não encontrando elementos de garantia, neles, tomam o
campo, incentivam-lhes a vaidade latente, dessa ou daquela forma, atacam um
ponto fraco qualquer...e... lá vem mais atividade para nós, mais fiscalização
etc.
Em pouco tempo esses bons filhos
criam o seu “cascãozinho”, que enrijece tanto, a ponto de vedar seu consciente
à luz da humildade imprescindível ao bom umbandista.
Oh! Eterna vaidade, filha da
ignorância!!! Até quando persistirás no inconsciente das criaturas, retardando
sua evolução?
Cícero: - E a terceira classe,
preto-velho, também dá trabalho?
Preto-velho: - Claro, “zi-cerô”.
Infelizmente, muitos, dentro das prerrogativas do livre-arbítrio, também
se extraviam.
E como já falei das condições
negativas que existem ou que atuam, quer na primeira classe, quer na segunda,
devo, embora com tristeza, citar que, nessa terceira classe, acontecem também
graves fracassos, com esses aparelhos que recebem Ordens e Direitos de
Trabalho...
Esses aparelhos (ou médiuns), meu
filho, quando se extraviam ou, melhor, quando baqueiam, quase sempre
acontece por causas morais. Não vou esmiuçar essas causas... Apenas afirmo
que esses são os que mais sofrem – depois da borrasca. Sofrem dolorosamente,
porque os seus dramas morais mediúnicos são relembrados por eles a todo
instante, ativados pelo remorso e, especialmente, quando reconhecem, conscientemente,
que perderam os contatos positivos de seus antigos Guias e Protetores.
Eles – que foram médiuns de fato
– lutam desesperadamente para reaver os fluidos perdidos, isto é, a proteção de
seu caboclo ou preto-velho, etc... No entanto, nada...
Então, dá-se um fenômeno curioso,
que confunde a eles mesmos ou, melhor, os martirizam mais ainda, porque os
deixam sempre nas eternas dúvidas. É o seguinte: -das antigas
incorporações positivas, precisas, ficou, não resta dúvida mesmo, uma série
de reflexos psíquicos condicionados ou de neuro-sensibilidade.
Esses reflexos neuropsíquicos
ficaram impressos em seus centros nervosos ou sensitivos, no grupo de
células que mais receberam a influência ou a ligação desses citados e antigos
contatos mediúnicos e de seus protetores. Daí, sempre que, por um processo de
associação mental ou psíquica, quando pela concentração ou mentalização, esse
grupo de células revive ou externa seus reflexos ou as impressões sensoriais
que guardou dos ditos antigos contados vibratórios que, realmente, recebiam de
uma Entidade. Assim é que os pobres “médiuns” pensam, por via disso, que ainda
têm os fluidos do “caboclo ou do preto-velho”...
Porém, eles sentem que a coisa se
reflete – mas não é tal e qual era. Até pensam que estão apenas com a
“mediunidade enfraquecida”... E haja preceitos e haja velas para o Anjo de
Guarda... Coitados... Terríveis dilemas os assaltam. Dúvidas cruciais os
atormentam... Será mesmo ou não?
Assim, quase sempre, dentro de
duríssimas vaidades ou de um amor-próprio sem razão, vão imitando, pela prática
ou por via desses citados reflexos psíquicos condicionados, o modo de
apresentação das entidades que os assistiam no passado. Não confessam a ninguém
os seus dramas mediúnicos...e acreditam que os outros não percebam o fracasso...
Como se enganam!... Os outros já perceberam sim. Chegam até a
ironizar deles, comentando: “Fulano é duro não quer dar o braço a torcer”...
E, geralmente, devido às
condições em que caíram, entram em distúrbio, isto é, suas antenas
mediúnicas que já saíram daquela tônica da antiga positividade,
passam a dar contatos com espíritos atrasados e aproveitadores que, por essas
antenas irregulares, entram em sintonia. Que fazem esses espíritos
atrasados? Passam a influenciá-los, em nome dos protetores tais e tais. Aí
é que a coisa toma um aspecto lamentável.
São envolvidos, a vaidade
incentivada, etc. Então, passam a ter cismas diversas, desconfianças de toda a
ordem, “intuições” atravessadas, fazem consultas erradas, predições falsas,
etc. Que fazer? A maioria continua nesse roteiro de incerteza, erros e
angústias. Porém, um ou outro consegue reabilitação.
Cai na meditação, na oração, num
sincero arrependimento, etc. Recompõem-se na parte moral mediúnica. Entra na
faixa da humildade, da tolerância e da compreensão e, certo dia, vê surgir nova
aurora espiritual. Surpreso, presa de doce emoção, chorando até, constata a
presença viva, atuante, dos verdadeiros contatos mediúnicos dos
antigos protetores. Ele foi perdoado e receber a volta deles... Santo Deus!
Somente os que passaram por isso sabem dar o valor a essa reintegração mediúnica.
Todavia, “zi-cerô”, não confunda
esse caso de médiuns fracassados, com os daqueles que tombam, exaustos pelo
entrechoque das lutas astrais e humanas, em defesa de um ideal – numa missão de
esclarecimento e de verdade. Esses são amparados, jamais abandonados e curados
de suas cicatrizes, para se reerguerem mais fortes do que dantes. Recebem o
prêmio pelo esforço despendido, enfim, por todos os sofrimentos que passaram
pelas traições e infâmias que perdoaram, quando lhes é dada a verdadeira Iniciação
pelo astral e lhes confere o sinal, pelo selo dos Magos que surge na palma de
suas mãos, a demonstrar-lhes que, de fato, “somente a verdade ficará de pé”...
É filho meu, para que dizer mais?
MATTA E SILVA. W.W. Lições
de Umbanda (e Quimbanda) na palavra de um “Preto Velho”. 6ª edição. Rio
de Janeiro: Freitas Bastos, 1995.