domingo, 7 de agosto de 2011

UMBANDA, QUEM ÉS?

Oh! Senhora do Karmana... eis-me aqui, pobre “eu” que geme na penumbra da forma e exausto, se arrastando, chega ao pé da TUA PORTA... abafa esse grito ansiado que vibra dentro de minha alma. Ele afere como se instrumentos invisíveis tivessem estacionado seus “NÚMEROS musicais de SONS COLORIDOS”, num lamentoso ... e escuta então.

Contas venho prestar; de YOXANAN, ordens cumpridas dei; em ALERTAS, sua Voz lancei...; de ADVERTÊNCIA seus conselhos espalhei; de CÓLERA, seu “brado” vibrei, e na lousa fria da razão, suas VERDADES REVELEI... E somente o “eco” de um silêncio tumular foi a resposta que senti de “tuas almas”, chegar.

Agora, genuflexo ao pó do “plano terra”, torno a implorar: Oh! Senhora da Banda, sopra chamas de Luz em teus diletos filhos, pois parece, continuam na silenciosa expectativa do ser ou não ser, do duvidar ou crer; dize porque hei de ver tua Lei na interpretação obscurecida de umas “tantas quantidades”, como se de papiros poluídos fossem os fundamentos teus...

Serás, por acaso, essa cigana corriqueira, enfeitada de colares de louça e vidro, que, em requebros lascivos, danças e cantas, despertando o atavismo, essa herança discutível, e estendes as mãos onde as castanholas se chocam, mostrando no multicor das “gangas”, paisagens convidativas, que envolvem aconchegos e conchavos?

Serás talvez, essa dama coberta de sêda e veludo, que habita nesses Templos brilhantes de mármores furta-cores, onde se espalha a Vaidade de seus “donos”, ou serás essa Vestal, de roupagens brancas, que no balouçar das cortinas, deixa apenas aos míseros mortais, entrever um mundo de sonhos orientais, não se podendo distinguir que espécie de Umbanda és?...

Serás ainda essa umbanda que alguns plantarem e outros querem semear, cujas raízes foram transformadas em galhos de Lendas e folhas de Mitologias, gerando frutos exóticos, cujo sabor está em relação com a gula que “cada um tem” de ser seu único e exclusivo possuidor?

E será. Oh! porque será que teus “Orixás” estão em tão prolongado silêncio?...

Será que por “verem” tantos e tantos aparelhos se construírem em veículos próprios e, em conseqüência, “dispensarem os serviços” desses mesmos guias e protetores, passando a fazer de tuas mais simples verdades, um fascinante baralho de “mirongas”, procurando impingir a Gregos e Troianos, o A, B, C, que eles ainda não sabem nem por onde começar?

E assim, como sempre, na inspiração de algo que está em mim e NÃO é meu, a YOXANAN clamei: Mestre meu e de mais seis, mas que “fixado” em mim és como tu mesmo o disseste: TRADUZ, Senhor, essas vozes cantantes que agora ouço!...
Ele então, na transfiguração impressionante de sua LUZ ofuscante, VEICULOU:

EU SOU a SENHORA DA LUZ-VELADA, essa UMBANDA DE TODOS VÓS, Mãe geradora de todas as ciências, pois que SOU a própria MAGIA, “veículo-básico” do SUPREMO-LUMINADO...

É por mim que SEUS “pensamentos-ordens” fazem as vibrações se conjugarem, da Unidade à Totalidade, do Marco Inicial ao Ponto Final da Única Verdade, RELIGANDO todas as místicas a uma só causa-original...

Eu ONTEM fui Aquela que conheci a tudo e a todos e SOU essa que desperta em toda alma, a concepção da EXISTÊNCIA DÊLE; em RAMA firmei seu VERBO REVELADOR, e DAÍ “meu manto ser sempre visto de várias formas”; no entanto, EU SOU O PRÓPRIO MANTO DO INCRIADO...

... mas, HOJE eu sou ONTEM e minha “IDADE” é revelada por uns “quantos na forma” e por outros “tantos no espaço”, “ORIXÁS” que são em cima ou embaixo...

E ainda vos digo: minhas manifestações são “ordenadas por UM”, dirigidas por VÁRIOS e executadas por MUITOS, pois que tudo “é movimento de SUA VONTADE”, antes mesmo que Ele desse “vida-ativa” aos INCRIADOS espíritos, CRIANDO-LHES “almas em Si”, pelo sopro do Livre Arbítrio, desde quando começaram a GERAR SEUS PRÓPRIOS KARMAS... e assim velando, de YOXANAN, “ISSO” escutei: e por quanto tempo ainda?... isso, eu não sei...


W. W. da Matta e Silva (Mestre Yapacani)
[originalmente publicada no livro Umbanda de Todos Nós, 2ª edição (1960) - Livraria Freitas Bastos].



Nossa nota *:

Este contundente ensaio de W.W. da Matta e Silva, escrito logo no início de sua jornada como escritor, revela a angústia e a revolta de um médium preocupado com a sublimação dos mitos e ritos atrelados à doutrina umbandista. É um apelo aos prosélitos da Umbanda, para que estes possam praticá-la com a devida maturidade, afastando-a de fetiches e atavismos que constituem perigosos portais para nossa falência moral e mediúnica. A introdução e a conclusão do artigo são revestidas de profundo esoterismo, e remontam aos Arcanos Maiores que envolvem nossa razão existencial. Entrementes, a partir do quarto parágrafo, notamos um desabafo pungente, um retrato dos desvarios cometidos por tantos médiuns, que, balançados por armadilhas do corpo e da mente, se envolvem em intrincados processos obsessivos, que também acabam por deturpar a imagem de nossa Mãe Umbanda.

Em diálogo com Yoxanan (nome esotérico de Pai Guiné), Pai da Matta vislumbra a “instrumentalização” desse Preto-Velho em uma luminosidade que releva as mais profundas raízes da Umbanda, desde os primevos tempos da humanidade. Curiosamente, essa revelação da SENHORA DA LUZ-VELADA é bem similar ao evento que encontramos na sétima parte do Bhagavad Gita – obra clássica do esoterismo hindu. Nela, Krishna, um mensageiro de Deus, permite que seu discípulo Arjuna seja alçado à Suprema altura da Realidade metafísica, para enxergar a sublime razão de ser de todas as coisas. Vemos então uma Umbanda que, apesar de circunscrita a a contextos étnicos, sociais e culturais próprios da nação brasileira, possui uma ontologia fenomenológica milenar, que remonta à aurora da religiosidade humana.

Enfim, trata-se de um artigo de profundo alcance iniciático, que exige do leitor certo esforço intelectual, para lidar com a medida exata do puro esoterismo de Umbanda, tão bem traçado e versado pelo saudoso Mestre Yapacani. 


* por Luciano M. Leite

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